quarta-feira, 8 de abril de 2015

O vexame do convite a Padilha

ELIO GASPARI

Coisa jamais vista: um ministro é convidado para outra pasta e joga a presidente na frigideira
Para o governo, diante das manifestações de rua e da queda de sua popularidade, era necessário haver mais diálogo "de coração aberto". E assim foi convidado o ministro Eliseu Padilha. Dilma Rousseff em 2015, chamando-o para a pasta da coordenação política? Coisa nenhuma, Fernando Henrique Cardoso em 1997, nomeando-o para o Ministério dos Transportes. Atazanado pelas pesquisas de opinião e pela inevitável rebelião do PMDB no Congresso, o presidente agradou ao deputado Michel Temer e recompôs sua base parlamentar. Padilha assumiu dizendo que "qualquer suspeita de corrupção deve ser investigada a fundo".
Em 1997, FHC relutou durante três meses para nomear Padilha. Em 2015, num episódio inédito, foi ele quem relutou em fazer a troca. São comuns os casos em que uma pessoa é convidada para um ministério e recusa. A escolha recente de Luiz Carlos Trabuco para a Fazenda foi um exemplo disso. Em geral essas sondagens são mantidas em sigilo, e a recusa é educadamente dissimulada. No caso de Trabuco construiu-se meio vexame, pois ela foi pública. Com Padilha, articulou-se o vexame total. Um ministro da pasta inútil da Aviação Civil resistindo publicamente a trocar de cadeira foi coisa nunca vista. A ideia de que, mesmo assim, continue ministro, jamais foi imaginada. A doutora Dilma ficou numa posição vexatória. O desconforto cresce quando se sabe que Padilha iria para uma posição relevante. Faltou ao PMDB o respeito à regra de etiqueta enunciada pelo bandido Elias Maluco aos policiais que o capturaram: "Não esculacha".
Nas semanas seguintes à reeleição da doutora, o comissariado do Planalto teve a ideia de excluir o PMDB do centro de decisões do governo. Os 55 milhões de votos que ela recebera pareciam um cacife suficiente para aquilo que os petistas achavam que era uma manobra estratégica. Como todo o poder emana do povo, eles eram o povo e não haveria o que discutir. Arlindo Chinaglia seria o novo presidente da Câmara, o ajuste fiscal seria o salto para a marquetagem do novo patamar de progresso e, enfim, começaria o governo do PT. Era delírio e deu tudo errado, com quatro comissários batendo cabeça na coordenação política do governo. A ida de Padilha para essa cadeira fazia muito sentido. Seus cinco antecessores vieram do PT, e a entrega da posição a um cacique do PMDB mostrava um passo conciliador da doutora.
O PMDB está rebelado (até onde e para quê, só seus caciques sabem) e parece surfar a onda de impopularidade que emborcou o governo da doutora. Há aí uma curiosidade: ele se aproveita da insatisfação da rua, mas não a representa. Quem quiser testar essa hipótese pode sair no próximo domingo com uma faixa: "Viva Renan Calheiros" ou "Todo poder a Eduardo Cunha". Ambos estão na lista do procurador-geral Rodrigo Janot. Os marqueses do partido sabem disso e movem-se com a única finalidade de enfraquecer o governo. Para quê?
Olhado da rua, o PMDB não é parte da solução, mas do problema. Por pior que seja a agenda da doutora Dilma, é difícil encontrar alguém que prefira a de Renan Calheiros e Cunha, até porque não sabe qual seja.
Folha, 08.04.2015.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Doação como álibi

Suspeitos argumentam que receberam recursos de forma legal durante eleições, mas daí não decorre que sua origem seja de fato lícita
Não são poucos os políticos que, vendo-se no centro de um escândalo de corrupção e tornando-se suspeitos de ter embolsado dinheiro de forma ilícita, se defendem com uma expressão bastante comum em episódios dessa natureza: "Todos os recursos dizem respeito a doações eleitorais, feitas legalmente e com o aval da Justiça".
Com pequenas variações, a frase já começa a ser empregada --e ainda será repetida-- por ocasião dos inquéritos acerca do esquema de desvios bilionários na Petrobras. O enunciado é muito útil para os investigados; tem a aparência de um álibi firme e, no mais das vezes, poderá ser comprovado.
Daí não decorre, contudo, que nada tenha ocorrido por baixo do pano. A julgar pelo que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa disse em um de seus depoimentos na Polícia Federal do Paraná, a ideia de que existe contribuição para campanhas não passa de uma "grande falácia".
De acordo com Costa, o financiamento eleitoral constitui, na verdade, um empréstimo a ser cobrado no futuro, "a juros altos", de quem vier a ocupar cargos públicos. O acerto entre patrocinador e beneficiário pode se dar de várias maneiras; uma delas, talvez a mais frequente, vem sendo exposta pela Operação Lava Jato.
Nesse esquema, a "doação eleitoral" surge como mero disfarce para o pagamento de propina. Esta, por sua vez, é o preço do agente público para facilitar contratos de empresas privadas com o Estado, seja fazendo vista grossa a conluios entre concorrentes, seja direcionando licitações --em qualquer hipótese, o erário sai perdendo.
O prejuízo imposto aos cofres públicos representa o lucro indevido das companhias, que enfim se veem recompensadas pelo adiantamento que fizeram. Uma mão lava a outra, como se vê, e todos os envolvidos saem ganhando.
Além de agentes e empresas diretamente implicados na falcatrua, também partidos se beneficiavam dos desfalques. Costa é assertivo: "Toda indicação política no país para os cargos de diretoria pressupõe que o indicado propicie facilidades ao grupo político que o indicou, realizando o desvio de recursos de obras e contratos firmados".
Os inquéritos, assim, não precisam necessariamente destrinchar as doações eleitorais. Nenhuma conclusão a que se chegar com relação a elas explicará muito sobre o esquema de corrupção --até porque não é impossível, embora improvável, que um político de fato desconhecesse as negociações por trás das verbas que recebeu.
Justamente por isso, tudo o que os investigados mais querem neste momento é desviar as atenções para o financiamento das campanhas. Folha, 11.03.2015

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Políticos de aluguel

BERNARDO MELLO FRANCO

BRASÍLIA - Às vésperas das eleições britânicas, uma reportagem deixou em maus lençóis os dois partidos que se revezam no governo de Sua Majestade desde 1922. Jornalistas do diário "Daily Telegraph" e da emissora Channel 4 procuraram parlamentares conservadores e trabalhistas com uma proposta indecorosa.
Eles se identificaram como representantes de uma empresa chinesa em busca de ajuda para expandir os negócios no Reino Unido. Os repórteres frisaram que a companhia estava "cheia de dinheiro" e precisava de aliados "influentes" no poder.
O discurso seduziu dois medalhões que já exerceram o cargo de ministro das Relações Exteriores: o conservador Malcolm Rifkind e o trabalhista Jack Straw. Eles se animaram tanto que toparam o convite sem sequer checar se a tal empresa existia --e tudo era fictício, do nome à suposta sede em Hong Kong.
Uma câmera escondida flagrou os dois políticos negociando o cachê e explicando como poderiam usar o mandato para favorecer clientes.
Rifkind prometeu obter informações de ministros e marcar reuniões com embaixadores. "Isso abre canais de acesso muito úteis", gabou-se. Straw disse atuar "abaixo do radar" e contou ter forçado a mudança de uma norma da União Europeia para beneficiar um contratante.
Os dois foram suspensos de seus partidos após a publicação da reportagem, no domingo. O Channel 4 exibiria um programa especial sobre o caso na noite de segunda, com o título de "Políticos de aluguel".
Em todo o mundo, há empresários e parlamentares dispostos a negociar à margem da lei. A diferença não está nas virtudes dos indivíduos de cada país, e sim na eficácia das instituições para puni-los, como deve acontecer no Reino Unido.
No Brasil, a prisão de empreiteiros acusados de corrupção foi uma boa surpresa. Mas o sucesso da Lava Jato ainda depende de seus efeitos no outro lado do balcão: o dos políticos que alugaram seus mandatos. Folha, 24.02.2015.


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Política virou mundo à parte

CLÓVIS ROSSI

Hoje em dia, não cabe pôr em uma mesma frase "mundo político" e "bem comum". São antônimos
A pesquisa Datafolha publicada nesta segunda-feira (9), sobre a baixíssima adesão aos partidos políticos, põe ciência numa antiga constatação empírica: o mundo político foi se transformando, paulatinamente, em um universo à parte, que gira em torno apenas de seus interesses, não do bem comum.
É até constrangedor usar "mundo político" e "bem comum" numa mesma frase. Tornaram-se antônimos.
O desamor aos partidos não é, diga-se, um fenômeno exclusivamente brasileiro nem algo recente.
O Latinobarômetro, a melhor medida do humor latino-americano, capta a desconfiança já faz alguns anos. No mais recente (2013, mas divulgado em 2014), a frase "o país é governado para o benefício de todos" era aprovada por menos de 30%, na média do subcontinente.
No Brasil, era pior: menos de 20% achavam que o bem comum estava na pauta dos governantes.
Tampouco é um fenômeno exclusivamente latino-americano. A rigor, é mundial.
No mesmo dia em que o Datafolha mostrava o tobogã para baixo em que mergulharam Dilma Rousseff, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad, o jornal espanhol "El País" publicava pesquisa em que o partido mais votado é um certo Podemos.
O Podemos é filho do chamado movimento dos indignados, que sacudiu o país faz uns dois anos. Como os dois partidos que dominam a política espanhola desde a redemocratização, em 1977, não deram bola para os "indignados", estes criaram seu próprio partido.
Lá também os partidos tradicionais sofrem erosão idêntica à dos brasileiros: o conservador Partido Popular e o Partido Socialista Operário Espanhol tiveram, somados, 73% dos votos na mais recente eleição geral (2011). Agora, na pesquisa que o Podemos lidera, os dois juntos ficam com apenas 46%.
No Reino Unido, os partidos nanicos tiveram 6% dos votos na mais recente eleição geral (2010); agora, as pesquisas lhes dão quatro vezes mais (25%).
Para o colunista Antonio Navalón, do "El País", o mundo vive o fim de um sistema: "Se não se aceitar que estamos no fim de um sistema, não se pode entender nem [Alexis] Tsipras na Grécia nem o Podemos (...) nem as dificuldades --caso Petrobras, entre outras-- que tem Dilma Rousseff no Brasil", escreve.
Navalón não deixa claro a que sistema se refere, mas parece óbvio que se trata do modelo econômico predominante no planeta, chamado neoliberal. Não deixa de ser curioso que as dificuldades de Dilma Rousseff entrem no rolo geral exatamente quando ela muda o rumo, do intervencionismo na economia para a mais tradicional ortodoxia.
Francamente, não sei se estamos mesmo na iminência do fim de um ciclo em matéria econômica. O capitalismo tem formidável capacidade de se reinventar.
Mas o mundo político, este sim, demonstra invencível incapacidade de se reinventar e voltar a ser (se é que o foi algum dia) um instrumento para o benefício de todos e não apenas de alguns. Aí é que mora o perigo, pois fica aberto o campo para aventureiros, de que o Brasil, aliás, já foi vítima mais de uma vez (nomes a seu critério). Folha, 10.02.2015

Todos iguais

Pesquisa Datafolha mostra que 71% dos brasileiros não têm partido de preferência, um recorde; número de simpatizantes do PT desaba
Na sexta-feira (6), num evento organizado em Belo Horizonte para comemorar os 35 anos do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou que a legenda venha se tornando "um partido igual aos outros", deixando de ser uma agremiação de base "para se transformar num partido de gabinete".
Na mesma ocasião, a presidente Dilma Rousseff afirmou, sem citar nomes, que as pessoas devem pagar por seus erros, mas ressalvou a legenda: "Devemos preservar a história deste partido".
Falava sobre o escândalo na Petrobras, assunto que também preocupa José Dirceu. Condenado no julgamento do mensalão e cumprindo prisão domiciliar, o ex-ministro tem dito a amigos que, sem uma reação, a Operação Lava Jato pode vir a representar a "pá de cal" na imagem da agremiação.
Pesquisa Datafolha publicada nesta segunda-feira (9) mostrou o quanto os três estão certos. A fatia dos entrevistados que declara preferência pelo PT encolheu de 22%, em dezembro, para 12% agora.
Ainda se trata da legenda com mais simpatizantes, mas já não se distancia tanto de PSDB (5%) e PMDB (4%). Em seu melhor momento, registrado em abril de 2012, o PT tinha o apoio de 31% dos brasileiros, no mínimo 27 pontos a mais do que qualquer outro partido.
Desde que o Datafolha faz esse levantamento, jamais houve queda tão acentuada na predileção por uma legenda. Quanto ao PT, seu novo patamar o deixa em posição mais desconfortável do que a vista na esteira do mensalão, quando caiu a 15% das preferências.
Talvez mais simbólico, o percentual atual devolve a agremiação de Lula e Dilma ao nível de dezembro de 1998. Na pesquisa seguinte, de fevereiro de 1999, pela primeira vez o PT conquistaria mais adeptos do que o PMDB (15% a 12%).
Beneficiando-se da perda de popularidade do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no segundo mandato, o PT consolidou-se como oposição e logo seria o único a sempre ostentar dois dígitos nos levantamentos sobre opção partidária.
Esse patrimônio, que parecia bastante sólido após ter resistido ao mensalão, dá sinais de que vai ruir. O fracasso na economia e a percepção do estelionato eleitoral, aliados aos bilionários desvios na Petrobras, levam cada vez menos gente a se identificar com o Partido dos Trabalhadores.
Após 12 anos no poder, a agremiação caminha para se igualar às demais também na baixíssima capacidade de representar o eleitor --hoje, 71% dos brasileiros não têm legenda de preferência, um recorde nas medições do Datafolha.
Na nossa democracia, a classe política mostra-se cada vez mais disposta a agir em nome dos próprios interesses, e não surpreende que a maior apreensão dos líderes petistas neste momento seja com a imagem e a história; simplesmente não lhes ocorre que deveriam se preocupar antes com as atitudes de seus correligionários.
Folha, 10.02.2015.